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sábado, 26 de janeiro de 2013

PATRIMÔNIO CULTURAL



As pinturas rupestres são a manifestação mais abundante, conspícua e espetacular deixada pelas populações pré-históricas que viveram na área do Parque Nacional.
Nos primeiros anos de pesquisa fizeram-se sondagens e escavações para datar essas pinturas e situá-las em um contexto sócio-cultural preciso. Esses trabalhos permitiram a descoberta de sítios que apresentavam vestígios de presença humana, excepcionalmente antigos, o que incitou os pesquisadores a acelerar e a ampliar as escavações procurando obter uma massa de dados coerentes, que fundamentassem esta descoberta, que revolucionava as teorias sobre o povoamento das Américas.
Os povos mais antigos eram caçadores-coletores, isto é, viviam da caça e da coleta de produtos animais e vegetais, como ovos, mel, frutos, raízes, tubérculos, etc.
Em diversos sítios (veja mapa), encontramos vestígios de presença humana muito antiga: a Toca do Boqueirão da Pedra Furada, a Toca do Sítio do Meio, Toca do Caldeirão do Rodrigues I, a Toca das Moendas, a Toca da Bastiana.
A maior parte dos sítios pré-históricas da região são abrigos sob rocha. Os abrigos são formados, nos paredões rochosos, pela erosão. A parte inferior vai sendo desgastada pela chuva e ventos e, deste modo, forma-se uma espécie de teto natural. O homem utilizava esses abrigos e deixou nas suas paredes pinturas que retratavam suas crenças e costumes. Na linguagem regional os abrigos são chamados tocas.
A Toca do Boqueirão da Pedra Furada encontra-se a 19 m acima do nível do vale, protegida por grandes blocos originários do desmoronamento do paredão rochoso.
O processo de formação das camadas arqueológicas deste sítio durou 100.000 anos. As escavações, iniciadas em 1978, duraram 10 anos e permitiram a descoberta dos mais antigos vestígios, até hoje conhecidos, da presença humana nas Américas: fogueiras estruturadas e uma grande quantidade de artefatos de pedra lascada.
Blocos de parede, com pinturas, caídos nas camadas arqueológicas, permitiram a datação das mesmas. Os vestígios mais antigos são duas manchas vermelhas datadas de 23.000 anos, dois segmentos paralelos de reta datam de 17.000 anos, enquanto que figuras representando temas semelhantes aos que subsistem hoje nas paredes, foram pintadas entre 12.000 e 6.000 anos atrás.
Nesse sítio foi possível reconstruir a história das ocupações humanas desde há 100.000 anos até 6.000 anos atrás.
O Sítio do Meio encontra-se a apenas 3 m acima do nível do vale e, foi cavado, por um caudaloso rio que nascia no boqueirão que passa em frente ao abrigo. O rio cavou a base da parede e, quando a projeção do teto ficou muito grande, sem sustentação, houve um primeiro desmoronamento, que cobriu a praia do rio. Esse episódio se deu há 20.000 anos. Os homens aproveitaram essa parede e se instalaram atrás dela. Depois do primeiro, houve mais 3tres grandes desmoronamentos, sendo que o último aconteceu há cerca de 8.000 anos.
Neste sítio foram encontrados: fragmentos da cerâmica mais antiga das Américas, datada de 8.960 anos e, o primeiro artefato americano de pedra polida, uma machadinha datada de 9.200 anos.
A Toca do Caldeirão dos Rodrigues é um abrigo formado em um vale alto, cerca de 80 m acima do vale do Boqueirão da Pedra Furada. Suas pinturas, escondidas atrás de um imenso bloco caído, retratam cerca de 12.000 anos de evolução estilística e cultural. As escavações, ainda não terminadas, já permitiram encontrar vestígios da presença humana de 18.000 anos.
Na Toca da Bastiana, datações de uma camada de calcita que cobria uma figura humana, pintada na cor vermelha, alcançaram 39.000 anos.
Na Toca das Moendas, um dente de veado galheiro, encontrado junto a um esqueleto humano, foi datado em 22.000 anos.
Houve, a partir de 10.000 anos, uma notável diminuição do volume das chuvas e teve início o processo que transformou a floresta tropical úmida na caatinga atual.
As sociedades pré-históricas viviam em equilíbrio com o meio ambiente, que utilizavam de diferentes maneiras, sem jamais esgotá-lo. O modelo econômico que podemos deduzir dos estudos feitos na região do Parque Nacional é o seguinte:
- no início, ocupando um espaço vazio, sem concorrentes, os primeiros grupos praticaram uma exploração concentrada em certos pontos, pois a rentabilidade era boa e não exigia grandes esforços. Mesmo a matéria-prima para as ferramentas de pedra era sempre a que se encontrava o mais perto possível do sítio;
-a partir de 10.000 atrás, pressionados pelas mudanças climáticas e pela provável diminuição do potencial dos ecossistemas, resultado do desaparecimento de diversas espécies animais, houve uma adaptação que se manifesta por uma utilização variada, alternativa, de todas as possibilidades oferecidas pelo meio natural. Há até uma seleção da matéria-prima, que passa a ser coletada, às vezes, longe dos acampamentos ou aldeias, buscando uma maior qualidade que resulta em uma eficácia maior no controle da tecnologia da fabricação das peças;
- a partir de 3.500-3.000 anos atrás, encontramos os primeiros vestígios deixados por povos agricultores, mas esta prática pode ter existido anteriormente o que deverá ser verificado por novas pesquisas;
- entre 3.000 e 1.600 anos, encontramos vestígios de povos que viviam em aldeias circulares que compreendiam entre 10 e 11 casas elípticas, dispostas em volta da praça central. Estas aldeias ocupavam os vales largos da planície da depressão periférica, ou o alto da chapada, na formação sedimentar. Além de restos de potes de cerâmica, foram descobertos mãos de pilão, discos polidos perfurados, machados lascados e semi-polidos, machados polidos e tembetás de jadeíte, que completam o complexo técnico desses povos. Tinham costumes funerários muito elaborados e praticavam sepultamentos secundários em urnas ou em covas na terra. Apesar da diversidade desses sepultamentos um detalhe foi encontrado em diversas sepulturas: a cabeça recebia um tratamento diferenciado: era separada do resto do corpo e enterrada sobre o arranjo feito com os outros ossos, algumas vezes 20 ou 30 cm mais alto que o montículo de ossos longos. A cabeça era sempre coberta, seja por uma cabaça cortada na metade, seja por um recipiente de cerâmica.
As plantas cultivadas eram o milho, o feijão, a cabaça e o amendoim. A agricultura nesta área requer uma adaptação técnica e social para poder fazer face às épocas de seca. Nossa hipótese de trabalho é que esses grupos, apesar de plantarem, utilizavam, com a mesma desenvoltura que os caçadores-coletores, os recursos naturais e que, nas épocas de grande seca, se deslocavam para as regiões mais próximas aos grandes rios perenes, por exemplo, o São Francisco, que não fica muito distante da área. Isto implica naturalmente uma organização social na qual os deslocamentos temporários constituíam uma constante no modus vivendi.
As pesquisas sobre os grupos de povos ceramistas da região foram numerosas nestes últimos anos o que possibilitou uma primeira reconstituição da vida dessas sociedades. A cerâmica pré-histórica aparece em vários sítios arqueológicos que podem ser abrigos ou aldeias, áreas a céu aberto.
Como vimos acima os primeiros ceramistas viviam nesta região, no Holoceno, em condições ecológicas semelhantes às atuais, por volta de 8.900 anos antes do presente. Temos ainda registros da presença desses grupos até o período colonial quando foram exterminados e, os poucos que restaram, aculturados.
As aldeias eram localizadas em lugares estratégicos, próximas às fontes d’água. Esses mesmos lugares foram utilizados, posteriormente, pelo colonizador, não apenas como uma forma de dominação dos indígenas, mas, porque eram ideais para a implantação das fazendas de gado e dos primeiros vilarejos ou povoados.
Através das informações etno-históricas e arqueológicas podemos dizer que havia uma grande densidade populacional nesta região, porém sobre a sua forma de subsistência, temos poucos dados. As evidências sobre a agricultura são raras nos abrigos e, praticamente, inexistentes nas aldeias.
No sítio Cana Brava registramos um período de ocupação de mais de 300 anos no mesmo local. Neste sítio encontramos fogueiras com restos de ossos animais, sementes e coquinhos queimados.
É possível formular a hipótese de que, por volta de 3.300 anos antes do presente, os ceramistas viviam em pequenos grupos e utilizavam vasilhames de tamanho pequeno com formas simples, porém com técnicas decorativas bastante aperfeiçoadas, de traços bem definidos e delicados, lascavam e poliam os seus instrumentos de pedra e, praticavam uma agricultura incipiente.
A partir de um certo período, talvez por volta de 2.000 anos antes do presente, ocorre um aumento populacional, com a chegada de novos grupos que dominam uma tecnologia bem diversificada. A cerâmica é caracterizada por diferentes formas e tamanhos de vasos, cachimbos de vários tipos, fusos e por uma riqueza decorativa onde aparecem as técnicas do corrugado, ungulado, escovado, inciso e o pintado, em peças extremamente finas, bem polidas ou brunidas com tintas de cor vermelha, em vários motivos decorativos ou, ainda, numa cerâmica mais espessa, pintada sobre um engodo branco com desenhos geométricos em vermelho e preto.
A indústria lítica também é rica e emprega técnicas diversificadas. Nas aldeias encontramos peças polidas e lascadas que foram utilizadas como raspadores, facas, mãos de pilão, batedores e moedores, machados (alguns do tipo semilunar), discos (alguns deles perfurados), tembetás e pingentes usados como adornos.
Existem peças, no entanto, como os discos polidos, descobertos na aldeia da Queimada Nova, cuja função é desconhecida. As matérias primas mais utilizadas por esses grupos foram o quartzo, quartzito, xisto, calcedônia, sílex e o granito.
Todos os povos originários da área do Parque Nacional foram exterminados pelos conquistadores brancos e, deles, hoje, só nos resta o que a arqueologia consegue descobrir.

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